UM POUCO ...

UM POUCO ...

terça-feira, 30 de junho de 2009

SERRA DA ESTRELA




SERRA DA ESTRELA

Meu corpo foi talhado em granito
Meus pés plantados em ribeiros
Que me banham o corpo inteiro.


Nos olhos tenho espaço infinito
Que rasga a linha do horizonte
Que se perde no mar, nos montes.


No meu véu branco de esponsais
Brotam zimbro, mimosas, tojais.
No verde selvagem dos pinheirais
Meu manto de rainha foi tecido
Com urzes e rosmaninho entretecido.


Meu vestido verde bordado
Com rubra barra de papoilas
Espigas doiradas
De trigo e cevada
Desce pelas encostas escarpadas.


No ventre fecundo
Guardo mananciais
De lava ardente e minerais
Que mostram seu esplendor
Nos picos das Penhas Douradas
Quando o sol enamorado
Em manhãs de ouro matizadas
Crepúsculos avermelhados
Me confessa o seu amor.


Prendem-se minhas mãos nas fráguas
Delas jorram cristalinas águas.


Águas de lava arrefecida
Fontes de saúde e vida
Irrompendo em borbotões
Tecendo rendas delicadas
P'las quebradas dos Covões.


Derretem neves do Inverno
E loucas vão mergulhar
No Poço que é do Inferno.
A água das neves, gelada
É de novo transformada
Pela lava incandescente
Rasga a terra com fragor
Entre nuvens de vapor
Nas termas e nas nascentes.


Sou feita de neve e de granito
Nos olhos tenho espaço infinito
Do verde selvagem dos pinheirais
No ventre fecundo mananciais
De lava ardente e geladas águas
Que jorram cantando pelas fráguas.


Maria Ivone Vairinho
(Livro do amor e da saudade)

domingo, 28 de junho de 2009

QUE BELO DIA PARA VIVER!

O pessegueiro
Floriu no quintal
Rosa e branco numa orgia
O céu amanheceu
Anilado
Perfumado
As aves enamoradas
Em doce chilreada
Celebraram o novo dia.

O meu tronco
De raízes apodrecidas
Sentindo-se morrer
Os braços descarnados
Levantou
Bebeu o ar primaveril
Encharcou-se de tons de anil
E num suspiro murmurou:
— Que belo dia para viver!

Maria Ivone Vairinho
(in Livro da Dor e
e da Esperança)

QUERER

Do vento quero a aragem
Que brinca com a folhagem
Nas noites quentes de Verão.

Do mar a ondulação
Que na praia se recreia
Em mil beijos na areia.

Da água a chuva mansa,
Chuva da minha infância
Fios de prata irisados.

Da neve quero o arminho
Para atapetar o caminho
De meus dias tão cansados.

Do fogo a cinza quente
Que fica brasa ardente
Na braseira colocada.

Das flores quero a silvestre
Alfazema perfumada
Duma encosta bem agreste.

Da águia quero o voo rasgado
Libertando o corpo magoado
Além em plena altura.

Da Terra quero o granito
Para abafar este grito
De raiva e de tortura.

Do amor queria a doçura
De quando me fazias tua.
Do sol eu quero a lua.

Maria Ivone Vairinho

OLHOS SECOS DE DOR


OLHOS SECOS DE DOR

Pequenas coisas, banais
mágoas de orgulho ferido
traição de alguém conhecido
(um amigo nunca trai)
ódios de gente vulgar
fazem meus olhos chorar.

Se não estivessem toldados
por lágrimas sem razão
de auto-comiseração
e para o outro voltados
vendo olhos secos de dor
inundados de pavor

meus olhos feitos nascentes
de caudais desesperados
no mar da dor mergulhados
sentindo o medo pungente
de quem sofre nesta terra
perseguição, fome, guerra

secos de dor ficariam
e nunca mais chorariam.

Maria Ivone Vairinho